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Queijos: Desvendando os lipídios

  • nuvlac
  • 6 de nov.
  • 14 min de leitura

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Introdução Definição e Classificação de Lipídios e Ácidos Graxos


Os lipídios são uma classe heterogênea de moléculas orgânicas imprescindíveis para a vida, desempenhando funções importantes tanto em sistemas biológicos quanto na tecnologia de alimentos. São caracterizadas por sua insolubilidade em água e solubilidade em solventes orgânicos. Incluem um amplo espectro de compostos, como triacilglicerois, fosfolipídios, esteroides e ceras.

Os ácidos graxos são unidades construtoras dos lipídios, sendo constituídos por cadeias de hidrocarboneto com um grupo carboxila terminal. Essas moléculas podem ser classificadas em saturadas ou insaturadas. Os ácidos graxos saturados (AGS) são aqueles que não possuem ligações duplas entre os carbonos, essa característica confere maior estabilidade a sua estrutura, tornando-os sólidos à temperatura ambiente, esses são chamados de gorduras. Já os ácidos graxos insaturados, contêm uma (monoinsaturados) ou mais ligações duplas (poli-insaturados) entre os carbonos, o que produz curvaturas na molécula, tornando-a menos estável e conferindo a característica líquida a temperatura ambiente, típica dos  óleos.

Os lipídios podem ser classificados como simples, aqueles que, quando são hidrolisados liberam ácidos graxos e álcoois, como os triacilglicerois, formados pela esterificação do glicerol com três ácidos graxos, sendo a principal forma de reserva energética do organismo. E, também, podem ser classificados como complexos, que apresentam, além de ácidos graxos e álcoois outros grupos em sua estrutura, como os fosfolipídios, que contêm fósforo, são componentes essenciais das membranas celulares, e os esfingolipídios derivados da esfingosina, incluem a esfingomielina, componente fundamental da bainha de mielina que recobre os neurônios e garante a condução adequada do impulso nervoso. Já os lipídios esteroides incluem o colesterol, que apresentam grande importância estrutural e metabólica. 

Os lipídios são compreendidos como moléculas com funções energéticas, estruturais, sinalizadoras e protetoras. triacilglicerois atuam como principal reserva energética, os fosfolipídios e colesterol são fundamentais para a estrutura das membranas celulares, os esteroides, derivados de ácidos graxos poli-insaturados, estão envolvidos na regulação de processos fisiológicos, enquanto compostos como ceras tem papel protetor. Essa diversidade funcional reflete a ampla variedade de estruturas que compõem a classe dos lipídios e justifica sua importância central na biologia e na nutrição humana.


Lipídios na alimentação: Funções e fontes


No corpo humano, os lipídios desempenham múltiplas funções. São a principal reserva de energia do organismo, atuam como isolantes térmicos, conferem proteção mecânica e atuam como componentes estruturais das membranas celulares, participam das cascatas de sinalização celular, são precursores de hormônios e participam do transporte de vitaminas lipossolúveis.

Na alimentação, os lipídios são encontrados em diversas fontes alimentares, tanto de origem vegetal quanto animal. Os lipídios de origem vegetal são tipicamente ricos em ácidos graxos insaturados, como óleo de girassol, azeite de oliva e óleo de milho. Já os lipídios de origem animal, presente em carnes e alimentos lácteos possuem maior teor de ácidos graxos saturados e colesterol. No entanto, o teor e composição lipídica varia significativamente entre os alimentos.

Um aspecto relevante é que os lipídios do leite e dos queijos não se limitam ao fornecimento de energia. Durante o processo de maturação, a ação de lipases e das bactérias ácido-láticas promove a liberação de ácidos graxos livres e a formação de compostos bioativos. Estes incluem não apenas o ácido linoleico conjugado (ácido graxo de cadeia longa que apresenta efeito cardioprotetor), mas também outros metabólitos com efeitos antioxidantes, antimicrobianos, anti-hipertensivos e imunomodulatórios, ampliando o potencial funcional dos queijos envelhecidos.

As fontes lipídicas na alimentação, variam em qualidade e composição. Enquanto óleos vegetais fornecem predominantemente ácidos graxos insaturados, os lácteos oferecem uma matriz única, na qual ácidos graxos saturados estão juntos aos compostos bioativos de reconhecida importância fisiológica. Essa combinação faz com que os queijos e outros derivados lácteos não possam ser analisados apenas pelo teor de gordura saturada, mas sim como alimentos complexos que fornecem lipídios com funções estruturais, regulatórias e protetoras à saúde.


Lipídios do queijo e saúde cardiovascular.


A relação entre o consumo de lipídios e a saúde humana, especialmente a cardiovascular, tem sido objeto de extensa pesquisa científica.Anteriormente, o teor de gorduras saturadas e colesterol em queijos era associado a um aumento do risco de doenças cardiovasculares. No entanto, pesquisas mais recentes e uma compreensão melhor da matriz alimentar láctea sugerem que os seus efeitos na saúde cardiovascular são complexos, a matriz alimentar do queijo, que inclui proteínas, cálcio e outros micronutrientes, pode modular a absorção e o metabolismo dos lipídios, atenuando potenciais efeitos negativos do colesterol. 

O impacto dos lipídios do queijo na saúde cardiovascular não pode ser analisado apenas pela quantidade de gorduras saturadas presentes, mas deve considerar a matriz nutricional. A estrutura do queijo, composta por proteínas, minerais e componentes bioativos, modula a digestibilidade e a absorção dos ácidos graxos, o que pode atenuar potenciais efeitos que diminuem o colesterol no organismo e reduzir o risco cardiovascular. Isso explica, por exemplo, porque a ingestão de lipídios provenientes do queijo não apresenta o mesmo efeito sobre o perfil lipídico plasmático quando comparada à ingestão de manteiga, ainda que ambos contenham proporções semelhantes de ácidos graxos saturados. O consumo de queijo não está associado a aumentos significativos de LDL-colesterol. Entre os mecanismos propostos para essa diferença, em comparação com a manteiga, estão a maior disponibilidade de cálcio e proteínas, que favorecem a ligação de ácidos graxos e sua excreção fecal, além de potenciais efeitos sobre a microbiota intestinal decorrentes da fermentação, com consequente produção de ácidos graxos de cadeia curta que influenciam positivamente o metabolismo lipídico.

O consumo de queijo está associado de forma inversa a desfechos cardiovasculares importantes, como diabetes tipo 2, insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, hipertensão e acidente vascular cerebral isquêmico. Esses efeitos parecem ser mediados não apenas pela modulação dos lipídios séricos, mas também por melhorias em fatores como índice de massa corporal, circunferência abdominal, triglicerídeos e glicemia de jejum. Dessa forma, a inclusão do queijo na dieta pode estar relacionada à redução do risco de eventos cardiovasculares maiores.

O que o queijo pode exercer efeitos neutros ou até benéficos sobre marcadores inflamatórios e de rigidez arterial, importantes no desenvolvimento da aterosclerose. Em variedades fermentadas, como queijos maturados, apresentam compostos derivados da ação microbiana, que podem contribuir para a modulação da pressão arterial e do perfil lipídico, ampliando os potenciais benefícios cardioprotetores.

A visão tradicional que restringia o consumo de queijos pelo seu teor de gordura saturada tem sido desafiada por novas evidências. A análise isolada de nutrientes, como os ácidos graxos saturados, é insuficiente para prever o impacto de um alimento complexo sobre a saúde. Assim, considerar o alimento levando em conta sua matriz alimentar, é essencial para compreender seus efeitos sobre a saúde cardiovascular. O consumo moderado de queijos, especialmente os fermentados, pode, portanto, ser parte de um padrão alimentar equilibrado, sem aumentar o risco de doenças cardiovasculares e até contribuir para a sua prevenção.


Impacto dos lipídios nas propriedades do queijo


No queijo, os lipídios vão além de apenas um componente nutricional, mas também um fator determinante para suas características sensoriais, como aroma, sabor, textura e aparência. Durante a maturação, a lipólise, processo de quebra dos triacilglicerois por enzimas lipases, libera ácidos graxos livres que são precursores de muitos compostos voláteis responsáveis pelo aroma e sabor característicos de diferentes tipos de queijo. A quantidade e o tipo de gordura também afetam a cor e o brilho do queijo, contribuindo para a aceitação visual pelo consumidor. A manipulação do teor e do perfil lipídico do leite, seja por meio da dieta animal ou do processamento, pode, portanto, influenciar profundamente as qualidades organolépticas e nutricionais do queijo final. Os queijos elaborados com leite de vacas alimentadas em pastagem, por exemplo, apresentam maior teor de ácidos graxos insaturados, o que resulta em textura mais macia, coloração amarelada e casca mais fina, sem necessariamente modificar o perfil de sabor em relação aos queijos produzidos a partir de leite de animais alimentados com silagem de milho. 

Além disso, intervenções na dieta animal com complexos lipídicos enriquecidos em CLA e ácidos graxos ômega-3 alteram o perfil lipídico do leite e, consequentemente, do queijo. Essas modificações aumentam o teor de ácidos graxos poli-insaturados e reduzem os saturados. Essas mudanças podem impactar não apenas a composição nutricional, mas também a estabilidade oxidativa e a capacidade de formação de compostos voláteis durante a maturação, que são muito importantes para o desenvolvimento do aroma. 


Lipídios bioativos


A maturação dos queijos não influencia somente características sensoriais, mas também modula o perfil de ácidos graxos, alterando sua composição e perfil. Esse processo libera ácidos graxos, muitos dos quais possuem atividade biológica positiva à saúde, como modulação imunológica, proteção contra doenças crônicas e controle do metabolismo, estes são chamados de bioativos, como o butirato, ácido linoleico conjugado (CLA) e esfingolipídios. Um estudo com o queijo coalho artesanal demonstrou que o prolongamento do tempo de cura resulta em alterações nas concentrações de vários ácidos graxos. Essa evidência reforça a ideia de que a escolha do processo tecnológico tem um impacto direto na funcionalidade do produto final, tornando queijos maturados, em alguns casos, fontes mais ricas em determinados lipídios bioativos, como os ácidos graxos livres e o CLA, quando comparados à sua versão fresca.

O CLA é formado naturalmente na gordura do leite por meio da biohidrogenação incompleta de ácidos graxos poliinsaturados, realizada por bactérias no rúmen de animais ruminantes. O queijo, por sua concentração de gordura láctea, é uma das fontes dietéticas mais ricas nesse composto. Entre seus impactos na saúde, é evidenciado sua ação anticarcinogênica e atividade antiaterosclerótica por meio da regulação do metabolismo lipídico pela redução de lipídios plasmáticos, como colesterol e triacilglicerois.

O butirato é um ácido graxo de cadeia curta (AGCC) reconhecido por seu papel no metabolismo intestinal, atuando como a principal fonte de energia para os colonócitos e promovendo a integridade da barreira epitelial do intestino, em um contexto sistêmico o butirato é um agente anti-inflamatório e imunomodulador, os AGCC ativam receptores acoplados à proteína G, como o GPR43, secretando hormônios que afetam a saciedade e motilidade intestinal. Embora sejam classicamente conhecidos como produtos do metabolismo da microbiota intestinal por meio de fibras dietéticas, o  consumo de queijos, principalmente os fermentados e funcionais estabelece um mecanismo alternativo de modulação da microbiota, com impacto direto na biossíntese desses metabólitos no lúmen.

Os ácidos graxos de cadeia média (AGCM), como o ácido caprílico e cáprico, também presentes em queijos, são metabolizados de forma diferente dos ácidos graxos de cadeia longa. Eles são rapidamente absorvidos e transportados diretamente para o fígado, onde são oxidados para produção de energia, com menor propensão a serem armazenados como gordura corporal. Essa característica confere aos AGCM um potencial interesse em dietas para controle de peso e em condições de má absorção de gorduras.

Os esfingolipídios representam outra classe de bioativos presentes nos queijos. Essas moléculas estão concentradas na membrana do glóbulo de gordura do leite. A esfingomielina, um tipo de esfingolipídio, tem sido associada a redução da absorção de colesterol no trato gastrointestinal, além de exercer um efeito protetor ao prevenir a adesão de microrganismos patogênicos à mucosa intestinal. Os fosfolipídios, também da classe anterior, são essenciais para a formação e função das membranas celulares e participam da sinalização celular. A fosfatidilserina, por exemplo, tem sido estudada por seu potencial neuroprotetor, com capacidade de reduzir os efeitos neurais do envelhecimento. A fosfatidilcolina é relevante para a recuperação tissular do fígado e para a síntese de neurotransmissores. Estes lipídios polares demonstram que o benefício do consumo de queijos se estende a funções estruturais, neuroprotetoras e metabólicas.


Perfil de ácidos graxos nos queijos e fatores influenciadores


A composição de ácidos graxos nos queijos é um reflexo direto da composição do leite utilizado em sua fabricação, sendo, portanto, influenciada por uma complexa interação de fatores que incluem a espécie animal, a raça, o estágio de lactação, a estação do ano e, de forma predominante, a dieta e o sistema de manejo dos animais. A gordura do leite de ruminantes é caracterizada pela presença de uma grande diversidade de ácidos graxos, que são originados de duas fontes principais: a síntese na glândula mamária e a absorção de ácidos graxos pré-formados da dieta e da mobilização de reservas corporais.

O perfil lipídico do leite e, consequentemente, dos queijos, é notavelmente diferente daquele encontrado nas forragens e concentrados consumidos pelos animais. Isso se deve ao processo de biohidrogenação ruminal, no qual os ácidos graxos insaturados da dieta, como o ácido linoleico (C18:2) e o linolênico (C18:3), são extensivamente hidrogenados por microrganismos do rúmen, resultando na formação de ácidos graxos saturados, principalmente o ácido esteárico (C18:0), e uma variedade de isômeros trans, incluindo o ácido vacênico (C18:1 trans-11), que é o principal precursor para a síntese endógena do ácido linoleico conjugado (CLA), especificamente o isômero cis-9, trans-11.


Influência da Dieta e do Sistema de Manejo


A dieta do gado é o fator que mais impacta o perfil de ácidos graxos do leite. Sistemas de produção baseados em pastagens estão consistentemente associados a um perfil lipídico mais saudável em comparação com sistemas de confinamento que utilizam dietas totais mistas (TMR). Estudos demonstram que o leite de vacas em pastoreio apresenta concentrações significativamente mais elevadas de ácidos graxos insaturados, como o ácido oleico (C18:1 cis-9), e de compostos bioativos como o CLA (cis-9, trans-11) e o ácido α-linolênico (ômega-3). Essa diferença é atribuída à maior ingestão de precursores de ácidos graxos insaturados presentes nas forragens frescas. Um estudo observou que manteigas produzidas com leite de vacas em pastagens de azevém ou azevém/trevo branco apresentaram teores de CLA e trans-β-caroteno significativamente maiores do que aquelas de vacas alimentadas com TMR, além de um menor índice de trombogenicidade, sugerindo um melhor valor nutricional.

A inclusão de diferentes tipos de forragens e suplementos na dieta também modula o perfil lipídico. Um estudo que analisou que a substituição parcial de silagem de sorgo ou capim-elefante por palma forrageira na dieta de vacas F1 Holandês x Zebu influenciou o perfil de ácidos graxos do leite e do queijo Minas Frescal. A inclusão da palma forrageira aumentou o teor de CLA no leite e reduziu a concentração do ácido esteárico (C18:0) no queijo. Da mesma forma, a suplementação com oleaginosas ou óleos vegetais pode aumentar o teor de ácidos graxos insaturados no leite, embora a resposta dependa da eficiência da bio-hidrogenação ruminal.


Fatores adicionais


Outros fatores, como a espécie animal, também são determinantes. O leite de ovelha, por exemplo, naturalmente apresenta teores mais elevados de gordura e de ácidos graxos de cadeia curta e média (C4:0 a C12:0) em comparação com o leite de vaca, o que confere características sensoriais e nutricionais distintas aos queijos derivados. Ao analisarem queijos de leite de ovelha, pesquisadores identificaram 23 ácidos graxos diferentes, com variações significativas entre os tipos de queijo e o tempo de maturação, destacando a complexidade da composição lipídica.

Além da espécie, o estágio de lactação também exerce influência sobre a composição de ácidos graxos do leite. Pesquisas demonstram que, no início da lactação, há maior concentração de ácidos graxos de cadeia curta e média, o que confere aromas mais intensos e maior digestibilidade, enquanto em fases mais avançadas há predominância de ácidos graxos de cadeia longa, que impactam na consistência e perfil sensorial do queijo.

O processamento tecnológico também altera o perfil lipídico. Métodos como a ultrafiltração, a pasteurização e a padronização do leite podem alterar o tamanho e a estabilidade dos glóbulos de gordura, modificando a textura, a retenção de umidade e até a liberação de compostos aromáticos durante a maturação. Essa interação entre o perfil lipídico e as técnicas de fabricação ressalta que a qualidade sensorial do queijo é resultado não apenas da composição natural do leite, mas também da intervenção tecnológica aplicada em sua transformação.


Comparação com outras fontes alimentares de lipídios


Os lipídios apresentam grande diversidade de composição e funções, e sua origem alimentar influencia diretamente seus efeitos metabólicos. Os óleos vegetais, como o azeite de oliva, o óleo de milho e o óleo de girassol, são caracterizados pelo alto teor de ácidos graxos insaturados, especialmente monoinsaturados e poliinsaturados, como o ácido oleico e o ácido linoleico. Esses compostos estão associados à melhora do perfil lipídico no organismo e à redução do risco cardiovascular. Já as carnes vermelhas e processadas apresentam lipídios predominantemente saturados, como o ácido palmítico e esteárico, além de colesterol em grandes quantidades. Embora sejam fontes de proteínas de alto valor nutricional e micronutrientes essenciais, seu consumo excessivo está relacionado a maior risco de doenças cardiovasculares e inflamatórias quando associado ao alto teor de ácidos graxos trans produzidos durante o processamento.

Os peixes representam uma das principais fontes dietéticas de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, o ômega-3, como EPA (ácido eicosapentaenoico) e DHA (ácido docosahexaenoico). Esses lipídios têm ação anti-inflamatória, modulam a função endotelial e participam na síntese de mediadores lipídicos bioativos, sendo reconhecidos por seus efeitos cardioprotetores.

Comparados a essas fontes, os queijos apresentam uma matriz lipídica peculiar, composta por mais de 400 tipos de ácidos graxos, incluindo saturados, monoinsaturados e poliinsaturados. Diferentemente das carnes processadas, os queijos contêm compostos bioativos como o ácido linoleico conjugado (CLA) e o ácido butírico, associados a efeitos anti-inflamatórios, anticarcinogênicos e moduladores do metabolismo lipídico. O processo de maturação favorece a liberação de ácidos graxos livres e peptídeos bioativos, que podem exercer propriedades antioxidantes, antimicrobianas e imunomodulatórias. 

Assim, mesmo que os queijos compartilhem com outras fontes animais o teor elevado de ácidos graxos saturados, sua composição não pode ser avaliada apenas sob esse aspecto. A presença de ácidos graxos de cadeia curta e média, CLA e metabólitos derivados da fermentação diferencia os queijos de outras fontes lipídicas, o que confere um perfil funcional dentro da dieta.


Porção e teor de lipídios


O teor de lipídios nos queijos varia de acordo com o tipo, o teor de umidade e o processo de fabricação, refletindo diretamente no valor energético do alimento. Em 100 g de queijo prato fornecem em média 29,1 g de lipídios totais, enquanto o queijo parmesão apresenta 33,5 g, e a muçarela 25,2 g. Por outro lado, os queijos mais frescos, como a ricota e o minas frescal, apresentam valores menores, com 7,1 g e 15,5 g de lipídios por 100 g, respectivamente. Essas diferenças se devem ao grau de maturação e processamento do queijo.

A porção usual de queijos recomendada em guias alimentares e rótulos nutricionais é de aproximadamente 30 g, o que corresponde a uma fatia média. Considerando esse valor, a ingestão lipídica varia de cerca de 2,1 g de lipídios no caso da ricota até 10 g na muçarela e quase 11 g no parmesão. Assim, pequenas variações no tipo de queijo consumido podem representar diferenças significativas na ingestão diária de gordura, o que é relevante tanto para o equilíbrio energético quanto para a qualidade da dieta.


Considerações finais


A compreensão dos lipídios do queijo demonstra como ciência e prática alimentar estão unidas. O estudo desse perfil vai além da composição, pois abrange bioquímica, nutrição, saúde e tecnologia de alimentos. Os lipídios se revelam componentes importantes para a identidade sensorial e funcional do queijo, tornando esse alimento um exemplo de como a complexidade da matriz alimentar desafia análises simples baseadas apenas em nutrientes isolados.

Ao reunir aspectos biológicos, tecnológicos e nutricionais, o tema reforça a importância de considerar os alimentos em sua totalidade, reconhecendo que seus efeitos na saúde acontecem devido a interação de alguns fatores e não apenas da soma de seus componentes. Nesse sentido, os queijos representam não apenas um produto cultural e gastronômico, mas também um modelo privilegiado para compreender a composição lipídica, a qualidade sensorial e o impacto fisiológico. Assim, valorizar os lipídios no queijo é abrir caminho para práticas alimentares mais conscientes, para inovações tecnológicas na produção e, sobretudo, para uma visão mais abrangente da nutrição, capaz de integrar ciência, saúde e cultura em um mesmo olhar.


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